domingo, 18 de setembro de 2011

Pergunte às ruas empoeiradas, pergunte ao quarto empoeirado, pergunte às pessoas empoeiradas das ruas empoeiradas, as empoeiradas pessoas cansadas e velhas e prestes a se tornarem pó, aqui para morrer, os velhos caras, o pó de Indiana e Ohio e Illinois e Iowa em seu sangue, para empoeirar e morrer em uma terra desenraizada e empoeirada. Um ano atrás e tantos meses já são pó, mas há alguns que lembrarão, nenhum pó em sua boca, grande mentiroso falando sobre grandes histórias e provando com um conto em uma revista verde. Soprando o pó de sua amada história, comprando-as todas para que não se tornassem pó. Sim, pergunte ao pó na estrada.
Falo como uma lunática? Então me dê a demência, me dê aqueles dias de novo. Me dê uma novela excêntrica daquele que sentia pena da humanidade, realizador de êxitos insignificantes, a dó de nada, a cidade absurda à minha volta, sortuda madrasta do meu relento, e acima, duzentos passos acima, no meio da cidade, degraus consagrados, senhor, ele os escalou à imortalidade! Um dia, vocês pessoas, seus incrédulos, esses degraus badalarão com a memória, e além daquela tarde naquele muro alto haverá uma placa de ouro, e sobre ela um busto - a imagem de um rosto. Estou sozinha agora? Minha solidão traz frutos, e haverá um lugar amanhã para lembrar que uma voz escalou esses degraus, e o mecânico na esquina chorará de alegria enquanto conta a seus netos que um dia falou com um homem das eras. Daí para meu quarto, para conversar comigo mesmo no espelho. Ou talvez para praticar um pouco para meus dias vindouros, para arrumar o espelho em um ângulo, para ver como fico sentada à máquina de escrever, respondendo perguntas, piscando pacientemente. 

pergunte ao pó;

Ele está sozinho em Los Angeles. Ele escreve sonetos para essa garota. Ela lê os sonetos e joga-os na rua. Pergunte ao pó na rua, pergunte à serragem do Liberty Café, pergunte a maldita serragem suja naquele lugar e ela dirá que recebeu pedacinhos de papel e eles eram meus sonetos, porque ela não queria saber de mim, eu apenas a distraía, ela era louca pelo americano Sammy.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Os dias passam lentamente pra quem pensa nos dias

Quando as paredes e o teto caíram eu pensei que era o final. Mas era só o começo de um problema, só um pesadelo normal. 
No castelo dos destinos que se cruzam no tempo ninguém liga se já foi ou se ainda pode ser, semanas e semanas só pensando em você. O tempo pinga lento dentro do meu talismã, e nas estrelas de centauro hoje é o ontem do amanhã.
No castelo dos destinos cruzados o viajante que chegou pode ser você, então a morte vive aqui do lado só que a gente não vê.
Uma pessoa que ficou perdida, uma pessoa que caiu do céu.
Uma pessoa que você já conhecia muito antes de nascer e que você perdeu.

A gente tenta se esquecer mais todo mundo é uma ilha

Você me procurou, eu procurei dizer que não valia a pena
Você não escutou, você me acusou de estar fazendo cena

Você não sabe o que eu sinto
Você não sabe quem eu sou

A gente entrou num labirinto
Eu dancei, você dançou

Agora é noite, já não tem mais jeito, já não tem saída
Eu caí, você caiu...numa armadilha
No fim das contas a gente faz de conta que isso faz parte da vida

Agora já é tarde, já não faz sentido ficar se iludindo
No fim das contas a gente faz de conta
que o mundo não tá caindo.

Não levo fé nenhuma e nada


Ninguém tem o direito de me achar reacionário, mas eu não acredito no teu jeito revolucionário. Eu sei que você acredita nas notícias do jornal, mas tudo isso me irrita, me enoja e me faz mal. Por incrível que pareça teu discurso é tão seguro, talvez você esqueça: você também não tem futuro.
Você quer me pôr no agito do movimento estudantil mas eu não acredito no futuro do Brasil. Eu não vou morrer de fome, eu não vou morrer de tédio, eu não vou morrer pensando em qual seria o remédio.
Sei de cor seus comentários sobre o mal da alienação, mas eu vivo de salário, eu não vivo de ilusão.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

o sonho existirá nesse mundo que tritura?

o coração lento de um corpo sem paixão
um carrossel que sublima dias de exaustão
uma vida vivida dia por dia
um beijo à deriva
terra estrangeira incentiva a busca incessante do nexo do sexo
palavras que minha boca trai explodindo em minhas veias
um mundo cocainado, a inteligência do burro que vem depois
há muitas alterações na harmonia de meus passos
eu só quero amar e ser amada
mentira!
amo gratuitamente o invisível empatando com tudo
meu nome não diminuirá a fricção da minha angústia
com certeza alguém o decorou de sua lista telefônica

o fim?
a matéria exposta em grãos quando a natureza exibe a urgência de matar
a vida?
inimigo implacável além morte

buda comprando ações em wall street oficializou minha paciência
mas a poesia é uma prostituta que me ama e eu a beijo com minhas mãos rudes
eu amo o impossível
fantasia dilacerante do meu cérebro que meu corpo transformou em amizade
aliás
o extase?
é um pulmão numa cabine à prova de ar.

é tudo inventado

Os meus olhos foram feitos para ver coisas insólitas. Meu coração foi destinado a embriagar-se na beleza da presença ou na aflição da tua ausência.
A meta do meu amor é voar até o firmamento; a do intelecto, desvendar as leis do mundo, para além das causas... sempre existe algum mistério.
Os olhos estão ficando fracos, eles ficarão um pouco cegos quando virem que todas essas coisas são apenas miragens que nunca acontecerão.
Uma amante, difamada neste mundo por uma centena de acusações, receberá no momento certo cem títulos e nomes. Peregrinar nas areias do deserto nos exige suportar beber leite de camelo e ser pilhados por beduínos meu amor. 
Minha alma, o buscador é aquele que vai à própria mina de ouro e encontra o que procura, como tu fazes.

des-nexo

Passo a noite sem dormir esperando, vou até o Castelo de Kronborg roubar algum conhaque pra acalmar a ansiedade, o futuro tá mostrando sinais de que o relógio anda lento. Me olho no espelho e eu passo o pente no cabelo e eu falo comigo mas é numa postura cínica meio arrependida atrevendo frases que seriam ditas no vão de outro ouvido. 
 Já são 7 e 30 e eu ando de um lado para o outro como que num tédio qualquer ouvindo uma coletânea do led zeppellin que ganhei quando tinha onze anos. Pensei em fumar alguma coisa pra ficar mais calma, mas descobri que isso tira a energia vital, justamente a potência que me deixa neurótica, quando estudava à noite entre abril e agosto, era perto do mercado e eu cultivei esse hábito, de fato, isso também me escravizou, tal como a fome e a chuva e as pupilas que matam.

Os Três Mal-Amados

João Cabral de Melo Neto


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.


O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá. Numa determinada pedra numa rua de Calcutá. Solta. Sozinha. Quem repara nela? Só eu, que nunca fui lá. Só eu, deste lado do mundo, te mando agora esse pensamento... Minha pedra de Calcutá!
Mário de Andrade

ardência,

Estava com a chama acesa, ainda silenciosa, como um esquimó sem bússola nem sul nem norte, e até os jogos de azar começaram a dar sorte, ela era doce e intuitiva, ela dizia...que os vícios alheios a ninguem importe.Justo no ponto onde não tem movimento algum, bem na boca do eixo terrestre, ali permaneceu sem reagir, dali não tem norte nem tem sul, porque é aí, justo aí o ponto...onde tem quietude e desgraça, e qualquer movimento é vício. 

faz-me um susto

Um inventário telúrico para sutilezas inumanas, biográficos rascunháveis de manhas e cama, 
ferormônios rascunháveis com que me envolvia a dama, la mala amiga la incestuosa hermana, 
inata feitiçeira precoce alma anciana, desprotegida malícia reiventada delícia, um brinquedo sem 
norte nem sorte enfeite da própria morte, santificada mandala mundana ,quinzeaneira pérola 
imundada de lama...oferta-me o busto, me faz um susto...de um oriental festivo luto premonitório. 
Sagrados são seus vícios e pra ti estou, seja nos dias que me odeia ou seja nos que me ama.

sábado, 3 de setembro de 2011

“Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem,
que aquela tal malandragem não existe mais.
Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer, não espalha,
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central.”

Aprendi muitas coisas, mas nada de bom.


Não sei de nada mais lindo do que fogos de artifícios à noite. Bolas luminosas azuis e verdes sobem pela treva, e justamente quando estão mais belas, fazem pequena curva e se acabam. Ao contemplar isto, sinto alegria e, ao mesmo tempo, angústia; vai acabar mais uma vez, uma coisa depende da outra e é muito mais belo do que se devesse durar mais.  Mas nós seguíamos numa boa, sem carência, sem aborrecimentos, andávamos um em volta do outro, como novos amigos apaixonados. Se tudo tivesse ido bem, então teria conhecido o amor de maneira bela e feliz, o que talvez me tivesse ajudado a manter a cabeça no lugar. Pois veja, desde então tive muitos amigos, conhecidos e também amores; mas nunca mais acreditei na palavra de um ser humano ou me comprometi, eu mesma, pela palavra. Nunca mais. Estava destinada a viver ao acaso, não me deixaria faltar nem liberdade nem beleza.