quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ela é morena, falsa magra, talvez tenha vinte anos ou quando muito 23, seus olhos são cor de cinza e eu quero olhar pra ela, mas olho pro chão. 

Ela está sentada no sofá logo na minha frente e se meu pai não estivesse morrendo, eu podia olhar suas pernas. 

Podia olhar seus joelhos quando ela cruza as pernas.

Podia olhar um pedaço das coxas.

Podia olhar seus ombros nus e morenos. 

E sua boca, que tanta sede me dá, eu também podia olhar se meu pai não estivesse morrendo.

Mesmo assim olho pra ela - disfarçadamente eu olho. 

Ela acende um cigarro e eu gosto do jeito dela sugá-lo e de como engole a fumaça e depois solta pelo nariz, mas escuto um gemido e me lembro que meu pai está morrendo. 

Então ela me olha com seus olhos cinzas e eu fico querendo cantar.

Tento pensar em meu pai.

Lá no sofá, a vizinha cruza as pernas - ela não devia fazer isso. 

Eu podia dizer pra ela que meu pai foi um homem triste. Acho que ela ia entender perfeitamente.

Todos na sala olham pra mim e a vizinha me olha com seus olhos cinzas e eu quero cantar, sim, eu quero cantar, e entro no quarto onde meu pai está morrendo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário